Levantamento inédito descobriu que os manguezais da costa brasileira armazenam até 4,3 vezes mais carbono nos primeiros 100 centímetros de solo quando comparados a outros biomas vegetados no país
Publicado originalmente por Mongabay

Muito se fala sobre o papel fundamental das florestas tropicais, e sobretudo, da maior delas no planeta, a amazônica, no armazenamento de dióxido de carbono (CO2), apontado como um dos principais gases de efeito estufa responsável pelo aquecimento global. Contudo, há outro ecossistema que consegue estocar uma quantidade muito maior de carbono por hectare: os manguezais.

A capacidade desses ecossistemas costeiros de armazenar grandes quantidades de carbono já era de conhecimento prévio da ciência. Entretanto, poucos países possuem uma estimativa real desse potencial e de como ele pode ser usado no mercado de compra e venda de carbono. 

Para tentar preencher essa lacuna, um grupo de pesquisadores fez um levantamento inédito sobre os manguezais brasileiros. “Tentamos pela primeira vez quantificar, de forma integrada, os estoques e sequestros de carbono dos manguezais do Brasil. Dessa maneira, será possível converter essas estimativas em créditos de carbono e saber quanto vale cada hectare neste mercado, gerando subsídios para a valoração dos mesmos”, afirma o biólogo Pablo Riul, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Manguezal na costa do Espírito Santo. Foto: Leonardo Merçon.

Riul é um dos quatro cientistas que assinam um artigo divulgado em janeiro na publicação internacional Frontiers in Forests and Global Change.
O estudo, que teve a participação de colaboradores de universidades do Reino Unido e dos Estados Unidos, conta ainda com o biólogo marinho brasileiro André Rovai, autor principal e pesquisador da Louisiana State University (EUA). 

De acordo com o inventário, os manguezais da costa brasileira detêm  8,5% dos estoques globais de carbono desses ecossistemas (a Indonésia está em primeiro lugar, já que é o lugar do mundo onde há mais áreas de mangues). Quando comparados a outros biomas vegetados do Brasil, eles armazenam até 4,3 vezes mais carbono nos primeiros 100 centímetros de solo, incluindo a Amazônia. Em relação à biomassa (aéreas e raízes), estão em segundo em estoques, atrás apenas da Floresta Amazônica.

“A comunidade científica não tem a menor dúvida da quantidade de carbono que há estocada em manguezais e nem seu papel para a remoção desse gás da atmosfera. O que falta no Brasil é vontade política para destinar verba adequada para o desenvolvimento da ciência, principalmente para a grande área da biodiversidade”, destaca Rovai. “Dessa forma, mais do que trazer novas estimativas, nosso estudo aponta para lacunas a serem preenchidas, indicando áreas com pouca ou nenhuma informação disponível e que precisam ser priorizadas em pesquisas futuras”, enfatiza.

Gráfico comparativo da quantidade de estoque de carbono nos manguezais e nos biomas brasileiros (em verde, o total armazenado na biomassa, incluindo vegetação acima e abaixo da superfície; em marrom, nos 100 centímetros superiores do solo).

Grandes reservatórios de carbono, mas pouco protegidos

Há manguezais ao longo de praticamente todo o litoral do Brasil, do Amapá até Santa Catarina, mas é nas regiões Norte e parte do Nordeste que estão as maiores áreas desses ecossistemas — e, consequentemente, onde há maior retenção de carbono. O estado do Maranhão é o campeão nesse ranking, com quase 298 mil hectares de manguezais, seguido por Pará (186 mil hectares) e Amapá (141 mil hectares). Juntos, os dois primeiros possuem 60% do total de mangues do país.

Para chegar a esses números, os pesquisadores analisaram dados já existentes sobre estoque e sequestro de carbono. Mas como exatamente é feita essa medição? Rovai explica que são realizadas estimativas nos três principais “compartimentos” onde esse gás fica depositado em qualquer tipo de floresta, inclusive nos manguezais. 

O primeiro deles é o aéreo, onde está a estrutura visível das árvores, como caule, troncos, folhas, frutos e flores. “Fazemos uma estimativa porque você nunca mede todas as árvores de um ambiente, mas uma parte da população. Para se estimar o todo, multiplica-se o peso das árvores dentro de áreas conhecidas (parcelas, em hectares) pelo total da área daquele ambiente”, explica Rovai. Já abaixo do solo há outros dois compartimentos de carbono: as raízes propriamente ditas e o solo, que nesses ambientes costeiros vem sendo formado ao longo dos últimos milhares de anos. 

Aratu-vermelho (Goniopsis cruentata), uma das espécies de crustáceos que habitam os manguezais do Atlântico Ocidental. Foto: Leonardo Merçon.

“Igualmente importante é a quantidade de carbono retirada da atmosfera anualmente e acrescida aos solos e às árvores dos manguezais, o que somado equivale a 13.5% de todo o carbono sequestrado pelos manguezais de todo o mundo”, ressalta o pesquisador. 

Segundo os autores do estudo, essa alta capacidade de sequestro se dá porque os manguezais armazenam o carbono tanto do próprio ambiente, pelas plantas características do ecossistema, quanto aquele que vem de áreas florestais próximas, como a restinga, ou a montante dos rios, como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, além daquele proveniente das águas dos estuários, como fitoplâncton e zooplâncton.

Falta investimento em pesquisa e fiscalização

Apesar de todo esse potencial, os manguezais não estão incluídos, por exemplo, em áreas de proteção citadas como prioritárias para conservação nas metas voluntárias de redução das emissões de gases de efeito estufa (iNDCs, na sigla em inglês), apresentadas pelo Brasil e outros países durante a assinatura do Acordo de Paris. Não há também nenhum plano nacional ou diretrizes regionais para a inclusão dos manguezais nas comercializações de mercados de carbono. 

“Um hectare de mangue tem muito mais carbono do que a mesma área na Floresta Amazônica”, reforça Riul. “Mas ele é negligenciado. E sempre foi. Ele sempre foi visto como um lugar sujo, com muito lixo e esgoto, porque historicamente serviu para o descarte de esgoto de muitas cidades costeiras”, lamenta. 

Os autores do artigo lembram ainda que, perante a legislação brasileira, a zona de transição entre o manguezal e a terra firme, comumente conhecida por “apicum”, não é protegida. 

Saracura-matraca (Rallus longirostris), ave residente nos manguezais do Pará a Santa Catarina. Foto: Leonardo Merçon.

“Essas áreas, que ficam mais elevadas, geralmente no meio dos manguezais ou atrás deles, são extremamente salinas, por isso a vegetação típica do mangue não se desenvolve ali, mas a medida que o nível do mar começa a subir, é pra lá que o mangue avança e aos poucos vai colonizando esse solo”, explica André Rovai. “Mas a lei diferencia essas áreas e estabelece que apicum não é manguezal porque se baseia apenas na presença de vegetação hoje, o que é um erro, visto que a dinâmica sucessional da vegetação nesses ambientes ocorre numa escala entre décadas e centenas de anos.”

Entre as principais ameaças à conservação dos manguezais estão a carcinicultura (produção de camarão em tanques dentro desses ecossistemas costeiros), a agropecuária, a erosão, a especulação imobiliária no litoral brasileiro e as mudanças climáticas. 

Mas, em 2020, veio do próprio Governo Federal a maior ameaça dos últimos anos sobre a preservação dos mangues. Naquele ano, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou acabar com duas resoluções que protegiam manguezais e restingas. Após análise, o Supremo Tribunal Federal declarou a medida inconstitucional e reestabeleceu as normas até então em vigor.

Manguezal na Reserva Extrativista do Mandira, em Cananeia (SP). Foto: Xavier Bartaburu.

Para que continuem sendo preservados, esses ecossistemas de transição entre os ambientes terrestre e marinho, que são um berçário importantíssimo para diversas espécies e ainda fonte de renda para comunidades locais, necessitam não somente serem mais fiscalizados, mas também mais estudados. 

De acordo com Rovai, o investimento em pesquisa para áreas de manguezais ainda é muito pequeno. “Um trabalho de campo nesses locais envolve viagens, coleta de amostras, equipamentos e dinheiro para publicação, o que no Brasil se torna ainda mais desafiador frente aos cortes colossais na verba destinada ao setor da biodiversidade”, cita. 

Uma das justificativa mais comuns é aquela de que “o Brasil é um país de dimensões continentais”, e por isso, onde a pesquisa é mais difícil. “Isso é uma desculpa. A costa da Austrália é monitorada há mais de 30 anos. No Brasil não temos boas informações do passado, que sirvam como referência, apenas dados pontuais em poucas localidades. Com isso, quando há um desastre, não possuímos informações para avaliar o impacto com precisão porque não existe com o que se comparar”, diz Riul. “Temos que investir em políticas de monitoramento ambiental em escala nacional e de longo prazo”.

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